Livro: Via-Láctea
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Autor - Fonte: Olavo Bilac
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...
Olavo Bilac
I
Talvez sonhasse, quando a vi. Mas via
Que, aos raios do luar iluminada,
Entre as estrelas trêmulas subia
Uma infinita e cintilante escada.
E eu olhava-a de baixo, olhava-a. Em cada
Degrau, que o ouro mais límpido vestia,
Mudo e sereno, um anjo a harpa dourada,
Ressoante de súplicas, feria.
Tu, mãe sagrada! Vós também, formosas
Ilusões! sonhos meus! íeis por ela
Como um bando de sombras vaporosas.
E, ó meu amor! eu te buscava, quando
Vi que no alto surgias, calma e bela,
O olhar celeste para o meu baixando.
II
Tudo ouvirás, pois que, bondosa e pura
Me ouves agora com o melhor ouvido:
Toda a ansiedade, todo o mal sofrido
Em silêncio, na antiga desventura
Hoje, quero, em teus braços acolhido,
Rever a estrada pavorosa e escura
Onde, ladeando o abismo da loucura,
Andei de pesadelos perseguido.
Olha-a: torce-se toda na infinita
Volta dos sete círculos do inferno.
E nota aquele vulto: as mãos eleva,
Tropeça, cai, soluça, arqueja, grita,
Buscando um coração que foge, e eterno
Ouvindo-o perto palpitar na treva.
III
Tantos esparsos vi profusamente
Pelo caminho que, a chorar, trilhava!
Tantos havia, tantos! E eu passava
Por todos eles frio e indiferente.
Enfim! enfim! pude com a mão tremente
Achar na treva aquele que buscava.
Por que fugias, quando eu te chamava,
Cego e triste, tateanto, ansiosamente?
Vim de longe, seguindo de erro em erro,
Teu fugitivo coração buscando
E vendo apenas corações de ferro.
Pude, porém, toca-lo soluçando.
E hoje, feliz, dentro do meu o encerro,
E ouço-o, feliz, dentro do meu pulsando.
IV
Como a floresta secular, sombria
Virgem do passo humano e do machado,
Onde apenas, horrendo, ecoa o brado
Do tigre, e cuja agreste ramaria
Não atravessa nunca a luz do dia,
Assim também, da luz do amor privado,
Tinhas o coração ermo o fechado,
Como a floresta secular, sombria.
Hoje, entre os ramos, a canção sonora
Soltam festivamente os passarinhos.
Tinge o cimo
...
as árvores a aurora.
Palpitam flores, estremecem ninhos.
E o sol do amor, que não entrava outrora,
Entra dourando a areia dos caminhos.
V
Dizem todos: “Outrora como as aves
Inquieta, como as aves tagarela,
E hoje. que tens? Que sisudez revela
Teu ar! que idéias e que modos graves!
Que tens, para que em pranto os olhos laves?
Sê mais risonha, que serás mais bela!”
Dizem. Mas no silêncio e na cautela
Ficas firme e trancada a sete chaves.
E um diz: “Tolices, nada mais!” Murmura
Outro: “Caprichos de mulher faceira!”
E todos eles afinal: “Loucura!”
Cegos que vos cansais a interrogá-la!
Vê-la bastava; que a paixão primeira
Não pela voz, mas pelos olhos fala.
VI
Em mim também, que descuidado vistes,
Encantado e aumentando o próprio encanto,
Tereis notado que outras cousas canto
Muito diversas das que outrora ouvistes.
Mas amastes, sem dúvida. Portanto,
Meditais nas tristezas que sentistes:
Que eu, por mim, não conheço cousas tristes,
Que mais aflijam, que torturem tanto.
Quem ama inventa as penas em que vive:
E, em lugar de acalmar as penas, antes
Busca novo pesar com que as avive.
Pois sabei que é por isso que assim ando:
Que é dos loucos somente e dos amantes
Na maior alegria andar chorando.
VII
Não têm faltado bocas de serpentes,
(Dessas que amam falar de todo o mundo,
E a todo o mundo ferem, maldizentes)
Que digam: “Mata o teu amor profundo!
Abafa-o, que teus passos imprudentes
Te vão levando a um pélago sem fundo.
Vais te perder!” E, arreganhando os dentes,
Movem para o teu lado o olhar imundo:
“Se ela é tão pobre, se não tem beleza,
Irás deixar a glória desprezada
E os prazeres perdidos por tão pouco?
Pensa mais no futuro e na riqueza!”
E eu penso que afinal. Não penso nada:
Penso apenas que te amo como um louco!
VIII
Em que céus mais azuis, mais puros ares,
Voa pomba mais pura? Em que sombria
Moita mais nívea flor acaricia,
À noite, a luz dos límpidos luares ...
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